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Resumo
Não é novidade que incêndios e explosões podem ocorrer durante o carregamento de eletrônicos portáteis, tais como smartphones, overboards e aeromodelos. Cada vez mais acessíveis, compactas e eficientes, as baterias de lítio são hoje empregadas em larga escala nas indústrias de autonomia elétrica e energia renovável. Na busca pela descarbonização do nosso planeta e energia sustentável, as baterias de lítio estão tornando cada vez mais populares, tornando viáveis tecnologias como os veículos elétricos e sistemas de energia de armazenamento.
Isto torna o PERIGO DE INCÊNDIO E EXPLOSÕES AINDA MAIOR, principalmente em indústrias, shopping centers, condomínios, estacionamento e residências, bem como as avenidas mais movimentadas de nosso país. Não só por causa das estações de carregamento, onde pode ocorrer a sobrecarga das baterias, mas também por acidentes ou falhas sistêmicas. O trabalho para os bombeiros militares e civis só aumenta nos casos de incêndio “espontâneos” ou seguidos de colisão.
Inclusive, me atrevo a dizer que estamos potencialmente diante de uma classe diferente de incêndio. Embora os incêndios em baterias tenham traços de serem químicos, elétricos e de metal pirofórico, as estratégias combinadas de combate para estas classes se revelam ineficaz. A NFPA 885, Edition 2020, que estabelece padrão para a instalações de sistemas estacionários de armazenamento de energia, publicada em 2020, embora traga grandes benefícios em prol da segurança, ainda parece não ter soluções definitivas.
Mas isto não quer dizer que estamos indefesos. Laboratórios, bombeiros e fabricantes em todo mundo buscam incansavelmente por soluções. Mesmo que ainda estejamos atacando as consequências, e não as causas, podemos aprender o que pode ser feito e que não pode ser feito. Isto é o que eu compartilho com você neste post, como as baterias de lítio podem ser tornar potencialmente perigosas, como podemos nos defender do avanço tecnológico e como responder a emergências.
E, muito mais. Você pode ler o artigo de forma sequencial ou ir direto para o tópico que desejar.
Tópicos
Qual é a importância das baterias de lítio para a sociedade?
Nas últimas três décadas, as baterias de lítio saíram do anonimato para serem protagonistas da tecnologia de armazenamento de energia. A primeira bateria de lítio, metálico, foi produzida em 1912, mas somente a partir do ano de 1970 é que ficaram disponíveis comercialmente. As tentativas de desenvolver baterias recarregáveis falharam devido à instabilidade do lítio metálico.
A tecnologia, então, mudou seu foco para uma bateria usando íons de lítio, embora com densidade de armazenamento inferior à do lítio metálico. Com determinadas precauções, principalmente no processo de carga e descarga, em 1991 foi comercializada a primeira bateria deste tipo.
As baterias de íons de lítio aumentaram a sua participação no mercado desde os anos 2000, associadas ao desenvolvimento do mercado de equipamentos eletrônicos sem fio, tais como telefones celulares, computadores portáteis e ferramentas elétricas. As células tinham como principais características a grande vida útil e ausência do efeito memória (degradação do ânodo ou eletrólito)
A título de curiosidade, a ausência do efeito memória, popularmente conhecido como “bateria viciada”, dispensou o carregamento da bateria de íons de lítio até o total da sua capacidade, bem como as descarregar até o total mínimo, ao contrário por exemplo das baterias de níquel cádmio (NiCd). Fato que facilitou a vida dos usuários de eletro portáteis.
Mas, a característica mais importante das baterias de íons de lítio é a sua grande densidade volumétrica de energia. Possuem o dobro da densidade volumétrica de uma bateria de hidreto metálico de níquel (NiMH) e o triplo de uma bateria de NiCd. Esta característica é que torna possível o armazenamento de uma maior quantidade de energia em baterias cada vez menores e mais leves. São indispensáveis para a miniaturização e automação dos eletro portáteis e o surgimento e crescimento do IoT (Internet of Things).
De lá para cá, a tecnologia fomentou uma busca incessante de baterias de íons de lítio, com densidade cada vez maior de carga (mAh/mm3), ou seja, maior capacidade por volume. Existem dois tipos de baterias de íons de lítio, uma que utiliza solventes como eletrólito líquido (Li-íon), e catodo de carbono, e outra que usa um polímero sólido (Li-PO), como o óxido de polietileno, que chegam a atingir uma densidade total de energia até 600 Watt-hora por litro (Wh/L) no nível da célula.
Uma nova tecnologia, que usa uma camada de cerâmica como eletrólito, poderá promover uma maior estabilização das baterias, permitindo que as baterias de lítio atingissem 1.200 Wh/L. Inclusive, os testes prometem o retorno do lítio metálico como catodo, o que aumentaria a ainda mais a densidade, para 3.860 mAh/g. Como ainda estão sendo desenvolvidas para aplicação comercial, as baterias de íons de lítio são as mais usadas e daqui para frente, vou me referir a elas , Li-íon e Li-PO, como apenas batarias de lítio.
Economicamente viáveis e fabricadas sob diferentes associações de células e formatos, as baterias de lítio vêm sendo aplicada para os diferentes fins, inclusive em alta tensão, vital para o desenvolvimento dos sistemas de armazenamento de energia. Por isso, empresas do setor de energia em todas as partes do mundo dependem cada vez mais das grandes baterias de lítio. A quantidade de armazenamento de energia implementada em 2020 cresceu 62%, segundo a consultoria Wood Mackenzie, e o mercado deverá crescer 27 vezes até o fim da década.
Tecnologias atualmente empregadas, como o carro e avião elétricos, tornaram-se viáveis graças à evolução das baterias de lítio. É inegável a sua contribuição para a descarbonização do nosso planeta e a redução da dependência das redes de eletricidade convencionais. Neste último caso, gerando maior capacidade de armazenamento da energia renovável, como geração eólica e solar.
As baterias de lítio fazem parte das nossas vidas, mais do que pensamos. Protagonistas da tecnologia de armazenamento de energia, permeiam na sociedade superando o que se conhece sobre os seus reais riscos, aumentando na velocidade com que as baterias de lítio são modernizadas, produzidas e utilizadas.
Não são raros os relatos de incêndio e explosão em baterias de lítio, não só nos dispositivos eletrônicos, mas principalmente nos equipamentos elétricos de alta tensão. Nos EUA, inclusive, registrou-se um caso de explosão de bateria em Desfibrilador Externo Automático, o famoso DEA.
Um incêndio ocorrido em agosto de 2021, em uma das maiores instalações de produção de baterias no mundo, localizada na cidade de Moorabool, Austrália, chamou atenção. Foram necessários quatro dias e 150 bombeiros para controlar o incêndio, iniciado durante os testes de um contêiner marítimo, que abrigava uma bateria de lítio de 13 toneladas.
Desde 2018, houve 38 grandes incêndios envolvendo baterias de lítio de alta tensão, segundo Paul Christensen, professor da Universidade de Newcastle. Na cidade de Pequim, China, um incêndio em uma instalação de baterias de lítio em abril matou dois bombeiros, precisando de mais 235 para ser controlado. Já em 2019, no estado do Arizona, EUA, um incêndio em um sistema estacionário lançou dois bombeiros a mais de 30 pés (9,14 metros) de distância, deixando-os com severos ferimentos, incluindo queimaduras térmicas e químicas. Todos os incidentes chamam a atenção pelo esforço dos bombeiros para controlar as chamas, demandando um grande emprego de pessoal, recursos, tempo e paciência.
A sociedade então se pergunta, se seria esse o preço a pagar pelo avanço da tecnologia? O fato é que o legado das baterias de lítio é inegável, e vai continuar a crescer. Embora a segurança pareça não conseguir, ainda, acompanhar a “criatividade” das ocorrências, estamos aos poucos conhecendo as causas e efeitos desse tipo de incêndio.
Pesquisas são feitas visando a produção de outras composições químicas que possam substituir as do lítio, com densidades superiores de energia. Mas que, certamente, terão seus próprios riscos e cuidados específicos. Por enquanto, o lítio ainda é o material com o melhor custo-benefício, independentemente dos riscos. E teremos que aprender a nos defender desse avanço, infelizmente talvez a custas de novos grandes eventos, se nós não nos mobilizarmos.
Assim, foi com o incidente de 2019, ocorrido na cidade de Surprise, estado norte-americano do Arizona, se tornando num grande aprendizado. Os bombeiros foram chamados para combater um incêndio em uma instalação de armazenamento de energia nos arredores da cidade de Surprise, que abrigava um sistema de 2 megawatts composto por centenas de baterias de Li-íon.
A falha crítica no sistema evoluiu para um estado perigoso conhecido como fuga térmica. Ao abrir a porta do container das baterias, na intenção de ventilá-lo, uma explosão provocou um jet fire de pelo menos 75 pés (21,34 metros) de comprimento por 20 pés (6,1 metros) de altura, a partir da porta do contêiner que abrigava o sistema. A explosão lançou dois bombeiros a grandes distâncias e deixou mais dois inconscientes, com seus equipamentos de proteção individual literalmente arrancados.
No dia seguinte, as notícias se tornaram conversa de bombeiros, pesquisadores e oficiais de segurança contra incêndio em todo o mundo, como um empurrão em busca por respostas para o que tinha acontecido. Por mais que possamos entender o que ocorre durante um incêndio envolvendo equipamentos energizados por baterias de Li-íon, ainda estamos aprendendo com esse tipo de deflagração poderosa.
O que torna as baterias de lítio potencialmente perigosas?
Baterias são forças eletromotrizes, gerando tensão e carga elétrica, bem como armazenando ou acumulando energia. “Fisicamente falando”, são sistemas que transformam energia através de reações químicas de oxidação e redução, movimentando elétrons por um circuito elétrico externo.
As baterias são formadas por células, consistem basicamente por um anodo, eletrólito e catodo. O Anodo é o polo negativo responsável por “segurar” a carga. O eletrólito é solvente condutor dos íons que os intermedia entre o anodo e catodo. E o catodo é polo positivo, feito de diferentes compostos metálicos, pelos quais é estabelecida a diferença entre os vários tipos de baterias. Assim, uma bateria de íons de lítio tem catodo com coletores em diversas composições: lítio ferrofosfato [LiFePO4], lítio óxido cobalto [LiCoO2], lítio óxido manganês [LiMn2O4], lítio óxido níquel manganês cobalto [LiNiMnCoO2] – NMC e lítio níquel cobalto óxido de alumínio [LiNiCoAlO2] – NCA.
Durante o processo de carga da bateria, ocorre a oxidação do anodo e a redução do catodo, fazendo com que os íons de Lítio sejam separados do catodo, passando pelo eletrólito e chegando ao anodo, onde se aglomera de forma intercalada entre as camadas do grafite. Os elétrons, incapazes de percorrer o mesmo caminho, vão do anodo ao catodo por meio de condutores elétricos, gerando uma tensão elétrica. Essa condição de instabilidade elétrica permanece, até que ocorra o processo de descarga da bateria, em todo o processo inverso ocorre, alimentando os componentes elétricos (de alta tensão) ou eletrônicos (de baixa tensão).
Explicando melhor, as baterias funcionam como capacitores, acumulando energia elétrica enquanto são alimentadas por uma fonte elétrica, no processo de carregamento. Depois, funcionam como uma fonte autônoma de energia, fornecendo eletricidade para os dispositivos elétricos ou eletrônicos.
Em teoria, caso haja um contato direto entre anodo e catodo, ocorre um “curto-circuito mecânico” na bateria. Mas, os problemas acontecem quando as baterias são manuseadas de forma inadequada ou fabricadas com defeito. O que ocasiona uma corrente irregular maior do que a célula pode manipular. Como consequência, a temperatura interna se eleva, ocorrendo reações químicas exotérmicas, gerando ainda mais calor. Este fenômeno dá início ao processo conhecido como fuga térmica (Thermal Runaway).
É o que torna as células das baterias de lítio inerentemente perigosas. No processo, uma célula, ao atingir uma certa faixa de temperatura crítica, que varia do tipo e design da célula, seus componentes químicos reagem entre si. As reações liberam gases altamente inflamáveis, tais como o monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), hidrogênio (H2) e até vestígios de fluoreto de hidrogênio (HF).
Sendo de natureza exotérmica, as reações processo se configuram num processo de auto aquecimento. Como consequência, a velocidade das reações são proporcionais às taxas de auto aquecimento, seguindo a forma de Arrhenius. Ou seja, a velocidade das reações químicas sobem exponencialmente à medida que a temperatura sobe.
Tudo acontece velozmente, até que a célula perder sua estabilidade física, em razão do aquecimento “auto alimentado” e a pressão interna provocada pelos gases gerados pelas reações químicas. Em questão de alguns minutos, toda energia térmica é liberada no ambiente, junto com os gases inflamáveis, que se expandem violentamente e, em contato com ar, se inflamam intensamente.
Se, por outro lado, os gases forem foram se acumulando em um ambiente confinado (container, sala de bateria, garagem fechada etc.), quando liberados ocorrerá uma explosão (jet fire) muito violenta. Mais temerosa e perigosa que um backdraft, por exemplo.
A intensidade das chamas aumenta continuamente, até atingir temperatura elevadas que passam dos mil graus, promovendo um incêndio quase impossível de extinguir, enquanto o processo de fuga térmica continuar ocorrendo no interior das células.
No vídeo (3min20seg), produzido pelo Centro de Zaragoza com a colaboração da Bridgehill, da Noruega, e dos bombeiros da cidade de Zaragoza, Espanha, é feito um ensaio simulando um incêndio em um veículo elétrico (sem combustível). Na primeira etapa dos ensaio, você verá a temperatura do carro em chamas atingir mais de 1.000 graus. Depois, os bombeiros cobrem o carro com o Fire Blanket (manta de isolamento térmico produzida pela Bridgehill) e, abafado, o fogo reduz a temperatura para quase 100 graus. Mas, não se engane, enquanto a fuga térmica ocorrer, o problema não se encerra. Na ultima etapa, quando os bombeiros retiram a manta, o fogo retoma a intensidade inicial, voltando a elevar a velozmente a temperatura.
A fuga térmica é, então, uma reação em cadeia que ocorre dentro de uma célula de bateria, sendo muito difícil de parar uma vez que tenha começado. A temperatura e a pressão interna sobem incrivelmente rápidas (em milissegundos), sendo toda energia liberada de repente, criando temperaturas extremamente altas, que supera os 400ºC. Células adjacentes, se não estiverem isoladas por compartimentos protetores, ficarão excessivamente quentes, dando origem a uma perigosa cadeia de eventos.
Estes eventos, em grande parte, dependem do tipo e design das células, baterias e invólucros, bem como a presença de mecanismos de ventilação, que permitam aos gases escaparem, aliviando a pressão da célula. Inclusive, a NFPA 885, Edition 2020, recomenda que todos os sistemas de armazenamento de energia tenham esses dispositivos, compatíveis com a NFPA 68 e 69.
Inicialmente, a atribuição da fuga térmica era feita a “baterias não-originais” e “carregadores piratas”. Apesar do risco proveniente da menor qualidade, eles não são considerados como causas únicas. Os registros de recall das baterias e equipamentos originais incendiados em uso normal (e não em recarga), e até desligados, mudaram esta tese. O caso mais emblemático foi do smartphone de uma empresa coreana, que, em 2016, chegou a ser proibido em voos comerciais de todo o mundo e provocou um recall de US$ 5 bilhões em 1 milhão de unidades.
As primeiras investigações apontaram causas mecânicas originadas no processo de fabricação. Mas, depois que outras marcas e modelos registram ocorrências similares, descobriu-se que nos eletrodos formavam-se estruturas nanoscópicas, chamadas dendritos, que causavam os chamados curtos-circuitos internos das baterias. As causas também poderiam ser químicas também, e não apenas mecânicas, podendo ocorrer ao longo do uso, e não necessariamente em sobrecarga, durante o carregamento.
O problema aumenta quando se emprega baterias de alta tensão, empregadas em veículos elétricos ou híbridos (com motor elétrico e a combustão), tipo automóveis, motocicletas, empilhadeiras e até aviões. No caso dos carros elétricos, são muitos os desafios, sendo a segurança um dos principais.
No início de 2021, uma montadora coreana de automóveis anunciou um recall global de US$ 900 milhões em 82 mil carros elétricos para substituir suas baterias, após 15 relatos de incêndio envolvendo veículos da marca. Em agosto do mesmo ano, outra montadora, uma gigante americana, confirma o recall em todos os veículos elétricos vendidos no mundo, que custará cerca de US$ 1 bilhão à companhia, devido ao mesmo risco de incêndio.
Todas as empresas que fabricam veículos elétricos, inclusive a precursora californiana, têm problemas com incêndios de baterias. As substituir é uma medida extrema, que exige trabalho e despesas que são equiparados a substituição total de um motor a combustão interna. O recall é feito quando se identifica possíveis células e módulos defeituosos. Mas, essa ação preventiva está sendo tomada pelas montadoras depois dos registros de incêndio em veículos elétricos ou híbridos em todo mundo, sob as mais diferentes causas: acidente, carregamento ou mesmo de forma espontânea.
Os automóveis elétricos ainda são caros no Brasil e o alto custo dos recalls revela o quanto pesa o custo das baterias de lítio em relação ao valor do veículo inteiro. Talvez, isso leve anos para isso mudar, mas é certo que o custo das baterias diminuirá, por meio de maior produção mundial, economia de escala e maior confiabilidade. Também é certo que a recorrência de incêndios em veículos elétricos aumentará. Isto, se nada fizermos, desde já, para mudar esse cenário no futuro.
Como podemos nos defender do avanço tecnológico?
Existem poucas referências técnicas para mitigar o risco de incêndio e explosão (jet fire) provenientes das baterias de lítio. Fora as recomendação dos fabricantes, a única norma existente é a NFPA 885, publicada no ano de 2020, e que estabelece padrões para instalações de sistemas estacionários de armazenamento de energia. A norma aborda vários tipos de baterias, incluindo as de lítio e, embora, trate de sistemas estacionário, é possível considerar sua aplicação para equipamentos não estacionários, como os veículos elétricos.
A pergunta que podemos fazer, agora, é se a NFPA 885 teria ajudado, por exemplo, no incidente de Surprise, EUA? Minha opinião, e de outros especialistas, é de que teria ajudado em parte no incidente. Os relatórios pós-incidente indicaram falhas de design e instalação das baterias, que contribuíram para a ocorrência de todos os eventos, desde a origem do incêndio até a explosão (jet-fire). Condições estas que poderiam ter sido mitigadas, se a norma estivesse em vigor em 2017, ano de instalação do sistema.
Se a concessionária tivesse aplicado as recomendações da norma, vários fatores poderiam ter feito a diferença no resultado. A NFPA 855 recomenda, por exemplo, que a maioria dos sistemas de armazenamento de energia tenha um sistema ventilação, de acordo com a NFPA 68 – Standard on Explosion Protection by Deflagration Venting, ou um sistema prevenção de explosões, conforme a NFPA 69 – Standard of Explosion Prevention Systems. Qualquer um dos sistemas, características que as baterias da concessionária não tinham, teria potencialmente mudado o resultado do incidente de Surprise.
Num sentido oposto, o compartimento das baterias era protegido por um sistema de supressão por agente limpo, o NOVEC-1230. Sistema que apresentava dispositivos projetados para selar o compartimento, quando o agente de supressão fosse descarregado. “O objetivo era evitar a ventilação e aumentar a eficácia do supressor de agente limpo”, descreveu um dos relatórios, feito pela UL (Underwriters Laboratories).
Mas, em vez de liberar os gases, mantendo-os a concentração deles abaixo do limite inferior de explosividade, o sistema os segurou e o NOVEC-1230 impediu que um incêndio começasse no contêiner. A consequência, já sabemos: houve um acúmulo ainda maior dos gases não queimados que, com o aumento contínuo do calor e abertura da porta do compartimento, , provocou uma poderosa explosão (jet-fire) ao primeiro contato com o ar.
Como eu disse, a NFPA 885 atende em parte a todas as lacunas relacionadas incêndios em bateria de lítio. Embora seja abrangente, especialistas no tema esperavam que a norma abordasse recurso mais contundes, por assim vamos dizer.
O próprio Jim Biggins, presidente da comissão técnica da NFPA 855, concorda. “Estamos procurando fornecer orientação adicional na NFPA 855, tanto para ventilação de explosão quanto ventilação normal dos compartimentos e salas de bateria”, disse ele. “É um volume tão grande de gás saindo de uma única célula durante a fuga térmica, e acho que ninguém entendeu totalmente esse mecanismo anteriormente”, complementou Biggins.
O problema é que esses recursos esbarram na realidade das capacidades técnicas, do conhecimento disponível e da política. Itens que chegaram a fazer partes dos rascunhos na norma, mas acabaram por não serem inseridas. Segundo Biggins, havia incertezas sobre a eficácia desse recursos, pois “a tecnologia realmente não estava lá a um ponto em que nos sentimos confortáveis em torná-la uma exigência no padrão”, afirmou ele.
Todos concordam, por exemplo, que o monitoramento remoto dos gases em tempo real ajudaria a entender a composição e concentração dos gases produzidos durante a fuga térmica. Acontece que existem vários desafios técnicos, como a fuligem pesada, alto calor e estratificação dos gases, que têm o potencial de sobrecarregar, obstruir e até destruir os sensores de dentro da unidade, o que torna um problema muito complicado. Para estes desafios, não há ainda produtos ou soluções que possam fazer isso, embora haja pesquisas avançando neste tema.
Há quem diga que NFPA 855 não foi longe o suficiente na tentativa de impedir que a fuga térmica aconteça. Biggins chegou a dizer que seria um desejo acreditar que as tecnologias atuais poderiam permitir que o comitê técnico essencialmente impedisse que a fuga térmica ocorresse. Mas, dar esse, seria o mesmo se as normas de instalação de sprinklers da NFPA exigissem que “apenas itens não combustíveis sejam armazenados em um armazém para que você não tenha um incêndio no armazém”, assim rebateu Biggins.
Contudo, concordo que a NFPA 885, poderia por exemplo, recomendar projetos de baterias e instalações que pudessem evitar, ou pelo menos atenuar, o processo de fuga térmica em cascata, imprescindível para grandes sistemas de armazenamentos de energia. “A próxima iteração das normas deve finalmente reconhecer isso de forma codificada”, assim conclui Biggins.
O que de fato temos, é que as baterias estão em constante desenvolvimento, em especial para que todo esse risco possa ser mitigado ao máximo. É certo também, que os riscos aumentarão na medida em que mais baterias de lítio forem inovadas, produzidas e utilizadas.
Aplicação de medidas efetivas
Antes de tudo, devemos entender o que favorece a fuga térmica, para eliminar aplicarmos medidas efetivas que eliminem atos e condições inseguras. Com as devidas precauções e princípios de funcionamento seguros, as células serão tão seguras quanto possível para o seu uso normal.
A aplicação de medidas efetivas começa com uma análise das funções da bateria e suas interações com o ambiente. Uma análise que se destina a cobrir todos os aspectos do ciclo de vida das baterias: fabricação, transporte, estocagem, instalação, carregamento, uso e fim da vida. E que resulta em uma lista de perigos potenciais para de suas aplicações e o nível de segurança associado, a fim de estabelecer medidas de proteção eficientes.
Na prática, não existe uma “solução única” capaz de cumprir todas as funções para a proteção das baterias. Portanto, o gerenciamento da segurança deve ser obtido com uma combinação de escolhas de tecnologia, desempenho versus a reatividade dos materiais, práticas preventivas.
A primeira medida é minimizarmos a possibilidade do defeitos de produção. Normalmente, os fabricantes conseguem evitar esses problemas por meio de designs cuidadosos e controle da qualidade. Mas o fato é que enganos acontecem e, de vez em quando, algum detalhe importante pode passar despercebido. Alguns desses detalhes são ante vistos, promovendo um recall dos produtos comercializados. Por isso, a avaliação inteligente do histórico de incidentes e recall é prudente, antes de escolher o produto desejado. Inteligente no ponto de entender como um determinado fabricante alvo superou os problemas e ocorrências das suas baterias, uma vez que todos tiveram problemas.
Este risco é, obviamente, maior ao se adquirir produtos ou peças de fornecedores de procedência duvidosa. Devemos nos proteger das práticas de “má fé”, como comercializar baterias falsificadas, fazer alterações não indicadas e misturar células velhas com novas. É extremamente importante tomar cuidado com baterias piratas, que notadamente não possuem segurança necessária ou capacidade de segura de armazenar energia.
Baterias originais são importantes, porque os fabricantes estabelecem dispositivos de proteção, que atuam em três níveis:
- No nível da célula, com a utilização de componentes de boa qualidade nos eletrodos e separadores, bem como o emprego de válvula de segurança, para aliviar a pressão interna excessiva, e dispositivo para interromper correntes excessivas.
- No nível das placas de circuito impresso, embarcadas dentro da bateria (BMS), com balanceamento das baterias e proteção contra corrente de carga excessiva, corrente de descarga excessiva, descarga abaixo do valor mínimo de tensão e temperaturas excessivas.
- No nível do produto que utiliza baterias com medição de tensão, corrente e temperatura, visando o desligamento da carga em caso de pane, e proteções contra surtos de tensão provenientes da rede elétrica que alimenta o sistema ou veículo.
Depois, temos que adotar medidas preventivas com atenção às estações de carregamentos, em seguida, ao monitoramento dos equipamentos e veículos que usam baterias e, por fim, ao emprego de métodos de proteção e resposta, adequados ao problema.
O processo de recarga das baterias de lítio é um ponto que requer cuidado, frequentemente necessitando circuitos de proteção e controle para monitora a tenção, corrente e balanceamento das células. Portanto, para as estações de carregamento é recomendado que sigam a NFPA 885. Projetos novos devem ser concebidos nesta condições e projetos já instalados, bem, vale o investimento em relação aos custos dos danos e esforços que uma ocorrência pode impor.
Sistemas e veículos devem ser recarregados em locais à prova de incêndio ou, pelo menos, protegidos e afastados de materiais combustíveis e inflamáveis. O procedimento deve ter atenção constante, sendo recomendado a instalação de detectores ou estabelecimento de monitoramento. Inclusive, nunca se deve deixar uma bateria recarregando durante à noite, sem que esteja sendo observada.
Baterias que tenham sofrido danos físicos, jamais devem ser recarregadas. Por menor que pareça o dano, ele pode ser suficientemente capaz de provocar a fuga térmica.
Sempre utilizar carregadores desenhados para fins específicos, preferivelmente que tenham um ajuste para seu conjunto de bateria. Muitos incêndios ocorrem quando se usam carregadores com ajustes inadequados. Se possível, usar carregadores que possuam sistema de monitoramento e controle do estado das células do conjunto. Células desbalanceadas podem ocasionar um desastre caso uma delas seja levada a uma condição de sobrecarga.
Enquanto estiverem operando as baterias, estacionários ou não, devem ser monitoradas, de acordo com sua importância, risco e aplicação. O monitoramento dos equipamentos e veículos que usam baterias pode ser realizado pelos próprios usuários, técnicos de manutenção ou bombeiros civis.
A medida visa a inspeção visual dos equipamentos, na procura por qualquer sinal de dano, defeito ou operação irregular, como por exemplo um aumento no tamanho (inchaço). A utilização de dispositivos eletrônicos, como câmeras térmicas é importante para identificar aquecimentos acima de parâmetros aceitáveis, definidos pela engenharia ou fabricante. O monitoramento também pode ser feito, de forma contínua, por sistemas de monitoramento por vídeo, principalmente se gerarem imagens térmicas
Identificando, e se confirmando, irregularidades, a ação seguinte é interromper a operação e remover a bateria para melhor avaliação. Havendo sinais de fuga térmica, como aumento de tamanho (inchaço), a bateria deve ser levada para um lugar seguro e ventilado, pois pode iniciar um incêndio.
O monitoramento deve se estender a acidentes ou situações perigosas com equipamentos e veículos elétricos. Em caso de colisão ou destruição, a bateria, ou seus destroços, deve ser removida para um lugar seguro, sendo observada por, pelo menos, 30 minutos. Danos físicos podem gerar instabilidade nas células, vindo a provocar a fuga térmica. Somente após garantir a segurança, a bateria pode ser rejeitada, de acordo com as instruções do fabricante. A exposição, não prevista, a qualquer fonte de calor de forma prolongada é extremamente perigosa. E também deve isolada e monitorada.
Cabe recomendar que os usuários e profissionais conheçam o tipo de bateria que equipa os equipamentos e veículos que utilizam ou monitoram. Preferencialmente saber onde se localizam, como podem ser acessadas, retiras ou colocadas, e onde ficam os dispositivos de segurança, tais como o desligamento e desconexão com a rede elétrica.
Especificadamente para bombeiros militares, e até bombeiros civis, devem compor um compêndio com os tipos de veículos elétricos, indicando todas as informações necessárias sobre tipo, marca e modelo. Saber onde se localiza a bateria, é importante para inicia um processo de resfriamento em caso de acidente.
Por fim, implantar métodos de proteção e resposta. Contudo, ainda não há um sistema de detecção e supressão adequado ao problema, pois ainda estamos conhecendo o processo de fuga térmica, suas reais causas e consequências. E na medida que a tecnologia evolui, provocando mudanças para prover maior densidade de armazenado, ou mesmo segurança, novos fatores surgem, provocando incidentes inéditos.
Ainda não temos detectores e agentes de supressão específicos para controlar incêndios envolvendo baterias de lítio. Portanto, temos que nos valer dos sistemas usualmente empregados. Por esta razão, a recomendação é pela utilização de sistemas de combate por água (muita água), sistema de detecção e alarme de incêndios, monitoramento por imagens ou rondas preventivas e um bom protocolo operacional para emergências com baterias de lítio.
Se alguma destas medidas lhe causou receio, é importante entender como controlar incêndios em baterias de lítio, para poder entender como responder a emergências envolvendo sistemas de armazenamento de energia e veículos elétricos.
Como controlar incêndios em baterias de lítio?
Para quem não tem conhecimentos específicos sobre o que causa um incêndio, olhando de fora, todos eles parecem iguais. Contudo, observar as suas origens impacta diretamente na forma como um incêndio será combatido e controlado. Isto é de extrema importância, pois por exemplo, o uso incorreto de um agente extintor pode se revelar ineficaz ou, pior, gerar efeitos opostos, como acelerar a propagação ou intensidade do incêndio.
Alguns enganos são perigosos. Nos incêndios que envolvem baterias de lítio, um dos mais contundentes é o fato do lítio ser um metal altamente inflamável que pode pegar fogo em contato com o ar. Um metal pirofórico que, por característica, reage em contato com água e requer procedimentos próprios de combate a incêndios.
O controle quase sempre é feito utilizando de pó químico especial como agente extintor, que age por abafamento ou atuam na reação química, depositando um componente específico para cada tipo de metal pirofórico, isolando-o do oxigênio e, assim, extinguindo as chamas. Por ser um veículo com um sistema de armazenamento de energia, existe também o pensamento de que o incêndio é “elétrico”, requerendo o uso de gás carbônico, agente limpos ou, até mesmo, pó químico seco.
Entretanto, os incêndios em baterias de lítio não se desenvolvem como Classe C (equipamento energizado) ou Classe D (metal pirofórico). Nenhuma ação de combate em que se aplique uma das duas estratégias, ou as duas combinadas, obteve êxito.
Você pode ver no vídeo (1min58seg) a seguir, a dificuldade dos brigadistas para controlar o fogo em uma empilhadeira, usando extintores de pó químico. A brigada, mesmo preparada e agindo rapidamente, mostrou desconhecimento sobre como se comporta um “incêndio em um veículo elétrico”. Usaram extintores de pó químico, inclusive a uma boa distância da empilhadeira, conforme indica os fabricantes para aumentar a ação. Conseguiram, num primeiro momento apagar as chamas, mas, para a surpresa dos brigadistas, o fogo retomou de forma violenta, tornando toda ação ineficaz. Resultado, a empilhadeira queimou sem controle, com grande potencial de destruir toda a edificação.
Pelo fato das bateria de lítio conterem componentes químicos, algumas estratégias de combate foram, e ainda são, tratadas como incêndios químicos. Embora a presença de especialistas de HazMat são, e serão, sempre bem vinda, a adoção desta prática de forma isolada também se mostrou ineficiente. Alguém consegue me dizer quem coloca uma FISPQ em baterias, indicando os seus componentes químicos?
Um incêndio em baterias de lítio não se comporta unicamente como químico. Não ocorre um vazamento, seguido de uma reação. Pelo contrário, a reação ocorre primeiro, internamente, em razão do crescimento acelerado da temperatura e pressão que, por sua vez, provocam o rompimento da célula. O contato com ar, provoca um incêndio intenso, devido a liberação de gases inflamáveis e alta energia termovelocimétrica.
O que fazer então? Como combater incêndio provocados por fuga térmica em baterias, especialmente de lítio?
Em agosto de 2021, um acidente que envolveu um veículo elétrico na cidade de Austin, no estado norte-americano do Texas, fez os bombeiros gastarem muita água para controlar o incêndio. O veículo, que colidiu com uma placa de trânsito, veio a atingir um posto de gasolina. Embora, o suprimento de combustível do posto não tenha sido atingido, os bombeiros levaram um tempo considerável para apagar o fogo proveniente das baterias do veículo. Surpreendentemente, eles usaram pelo menos 40 vezes a quantidade de água que é usada em veículos a combustão.
Crédito: CBS Austin
Imagens do incêndio no veículo elétrico em Austin, EUA, exigindo 40 vezes mais água para ser controlado, em comparação com carros a combustão, que exigem entre 500 e 1.000 galões de água. Por sua vez, um veículo elétrico requer entre 30.000 e 40.000 galões.
Isso mesmo, água! Parece inacreditável, mas o processo de fuga térmica é o que torna as baterias de lítio essencialmente peculiares no combate a incêndio. Como já indiquei, o processo iniciado com um aquecimento irregular provoca reações violentas, liberação em expansão de gases inflamáveis e aumento exponencial do calor. Ao romper, em torno da bateria forma uma atmosfera perigosa que, ao simples contato com o ar pega fogo. Qualquer tentativa de extinguir as chamas, não interrompe a fuga térmica. Os gases continuam a ser emanados e a temperatura se elevando. Enquanto estiver em contato o ar, as chamas retornarão.
Segundo o chefe dos bombeiros de Austin, Thayer Smith, a maior quantidade de água e demora para apagar as chamas era algo esperado, pois, uma vez que um veículo elétrico começa a pegar fogo, é muito mais difícil de ser apagado. Em incêndios deste tipo, os bombeiros se surpreendem quando o fogo reacende, após ser apagado e se interrompe o jato de água, ocorrendo isso consecutivas vezes.
Porque jogar água?
Matt Deadman, diretor de sistemas de energia e combustíveis alternativos do NFCC – National Fire Chiefs Council, do Reino Unido, disse recentemente que os incêndios em baterias de lítio queimam por muito mais tempo que combustíveis habituais.
“Nesses casos é preciso esfriar as baterias, e assim você consegue apagar o fogo, mas as baterias de lítio produzem seu próprio oxigênio na medida em que vão se rompendo – elas voltam a pegar fogo. Assim precisamos tirar delas o máximo de calor que pudermos. No momento dependemos de métodos de combate a incêndios testados e comprovados e que usam água. Eles são eficazes, mas não são uma bala de prata que resolve todas essas coisas com a rapidez necessária”, diz Deadman.
Em outro caso recente, com repercussão nas redes sociais, bombeiros belgas chamaram a atenção ao empregar um método, que inclui a imersão de um veículo elétrico em um tanque de água, com objetivo de controlar um incêndio.
Crédito: Reprodução/Facebook
O fato inusitado aconteceu na cidade de Lovaina, Bélgica, após os bombeiros constataram que as chamas eram geradas pela bateria de alta tensão, do tipo Li-íon, do veículo. Após extinguirem as chamas, o procedimento de mergulho foi feito no tanque transportado por eles mesmos.
O processo visa impedir que ar atmosférico se mantenha em contato com os gases emanados da baterias, e ao mesmo manter o seu resfriamento, eliminando assim qualquer possibilidade de re-ignição. Somente após especialistas confirmarem que o acumulador estava estável — algo que pode levar dias — é que o veículo foi retirado e a água é drenada, passando por uma limpeza antes de ser devolvida à natureza.
Os bombeiros de Lovaina reforçam que esse procedimento não altera o prejuízo do proprietário, já que o dano na bateria por si só provocara a perda total do veículo. E, não custa lembrar, vale tudo para evitar que as chamas de um carro provoquem mais estragos ao redor.
Crédito: Reprodução/Facebook
O método, embora pareça radical, é empregado em laboratórios de testes na Alemanha, onde sempre há um tanque de água próximo à área de ensaios para que para os veículos elétricos, que tenham a bateria danificada, sejam rapidamente mergulhados.
Para efeito de informação, o motor e a bateria dos automóveis elétricos (não funciona com empilhadeiras elétricas) são selados, evitando que a água entre neles mesmo que o carro entre em uma área inundada, diferente dos carros de motor a combustão. Em tese, caso haja algum risco de comprometimento da bateria, o fluxo de energia para o motor é automaticamente cortado. E a bateria, por sua vez, quando entra em processo de fuga térmica, não se comporta como uma fonte de energia elétrica. O curto-circuito já aconteceu.
Apesar de eficiente e seguro, nem todo lugar do mundo o método de imersão será economicamente viável. A utilização da água, em grande quantidade e de forma contínua por longa duração, é uma ação dispendiosas, desgastante e atua para conter o incêndio, enquanto ele consome totalmente a bateria de lítio e seu entorno. Usar pó químico seco, pó químico especial ou gás carbônico é totalmente eficaz.
Uma luz no horizonte
Testes com aplicação do F-500, fabricado pela HCT (Hazard Control Technologies), parecem ser promissores para o controle de incêndio em baterias de lítio. O agente encapsulador funciona como um aditivo concentrado para proporcionamento em sistemas à base de água, combinando as propriedades de um agente umectante (redução da tensão superficial).
Criado para neutralizar materiais perigosos, o F-500 estabelece um enorme ganho de eficiência e rapidez no controle de incêndios em baterias de lítio, atuando no resfriamento da fonte de calor, encapsulamento do material combustível (tecnologia de formação de micelas esféricas que tornam os materiais inflamáveis em não-combustíveis) e interrupção da reação em cadeia dos radicais livres liberados durante a queima (menos fumaça e toxinas).
O vídeo (1min07seg – áudio original em inglês – crédito HCT) a seguir, mostra a eficiência do F-500, durante um teste comparativo de controle do fogo em baterias da Kiwa, feito com (1) pó químico, (2) espuma mecânica e (3) água proporcionada com F-500. A eficiência também proporciona economia, otimizando até 20 vezes os recursos necessários num combate a incêndios.
O F-500 é um produto biodegradável, livre de emissão de flúor e não é um tipo de espuma. Portanto, não necessita de equipamentos especiais para aeração ou formação de camada de espuma para separação mecânica do combustível e do oxigênio.
O agente encapsulador foi testado e aprovado para diversas aplicações, incluindo incêndios tridimensionais (transformadores, estruturas verticais etc.) e incêndios com vazão de líquidos e gases inflamáveis (flanges, linhas hidráulicas, oleodutos e gasodutos, tanques…). Possui aprovações da UL (Underwriters Laboratories) dos Estados Unidos e Canadá e possui aprovações das agências ambientais dos EUA, Canadá, Austrália e de inúmeros países da Ásia.
Como responder a emergências que envolvem baterias de lítio?
Para uma melhor compreensão sobre como responder a emergências envolvendo veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia, é salutar entender as circunstâncias do incêndio ocorrido na cidade de Surprise, no Arizona.
A decisão dos bombeiros de entrar no container onde estava a bateria foi consistente com a orientação de treinamento existente na época. A recomendação da equipe de suporte de HazMat era ventilar a estrutura, entrar e colher amostras, o que parecia ser uma boa abordagem. Mas, claramente o resultado foi lamentável.
Os relatórios do pós incidente revelaram que os bombeiros, receberam pouca ajuda técnica da concessionária que, junto à fabricante das baterias, não tinham um plano de resposta adequado. Nem mesmo havia folhas de material de segurança no local.
Isso revela as grandes lacunas de conhecimento que precisam ser preenchidas com conhecimento, recomendações e considerações táticas a serem desenvolvidas.
Pense comigo: e se os bombeiros optassem por não abrir a porta? Poderiam ter ficado por dias esperando a situação se resolver. Obviamente, isto levanta uma série de perguntas, sem respostas: quando é seguro devolver o sistema aos proprietários? quem é responsável por declarar que a cena é segura — os bombeiros, o dono da bateria, o fabricante ou outra pessoa? e se a bateria estiver emanando gases tóxicos em, digamos, uma avenida populosa ou shopping center?
Ainda, supondo que a tática mais segura para os bombeiros fosse esperar, e mesmo que fosse possível ventilar com segurança, para onde iriam esses gases? Notadamente, criar-se-ia riscos secundários.
O que fazer então!?
Uma coisa é certa! Você concorda que um simples protocolo operacional de emergência, plano que se fosse elaborado e fornecido pela concessionaria em conjunto com a fabricante da bateria, seria algo que poderia ter feito uma diferença significativa, no incidente de Surprise?
Se concorda, então temos uma primeira ação: implementar um Protocolo Operacional de Emergência, que seja ativo, atualizado e exercitado. O protocolo é um plano curto contendo ações primárias (isolamento, contenção e avaliação), notificação e mobilização de recursos (humanos e materiais) e ações de controle e supressão. Geralmente, eu componho os protocolos como anexos ao PRE – Plano de Resposta a Emergências ou PAE – Plano de Atendimento a Emergências, com se fossem fichas de segurança de consulta rápida.
O protocolo deve ser precedido de uma análise qualitativa, que serve para identificar riscos em uma primeira abordagem. Esta análise deve ter pelo menos 6 passos indicados a seguir e deve ter a participação de um grupo multidisciplinar para abranger todas as considerações possíveis.
Identificar os cenários e determinar as possíveis causas
Mapear os sistemas de armazenamento de energia e veículos elétricos, incluindo neste caso o de funcionários, terceiros e visitantes. Para cada equipamento ou veículo, avaliar sob que circunstâncias as baterias podem ser danificadas ou sofrer algum tipo de defeito que possam provocar incêndio. Para veículos, você deve incluir as estações de carregamento e considerar as hipóteses de abalroamentos. Também, você deve considerara existência de outras fontes de perigo que possam afetar os equipamentos e veículos mapeados, que venham a provocar incêndios ou superaquecimento das baterias.
Identificar as possíveis consequências e estabelecer prioridades de atenção
Para cada equipamento ou veículo mapeado, você deve considerar em primeiro lugar a exposição, avaliando a presença de materiais combustíveis e inflamáveis no entorno, a localização em construções combustíveis, a proximidade com sistemas de combate por água (hidrantes e sprinklers). Depois, avaliar possíveis impactos relacionados a perda do sistema, danos a pessoas, interrupção das operações e contaminação do solo ou água, principalmente da água decorrente do combate.
Especificar a melhor forma de detecção ou monitoramento
Embora, ainda não exista detectores de gases capazes de detectar a liberação de gases, o sistema de detecção e alarme de incêndio são a maior ferramenta. Rondas com câmeras térmicas também são importantes, para monitorar possíveis crescimentos anormais de temperatura, bem como checar, identificar e mitigar desvios. O mais importante, é que incêndios nos dispositivos, equipamentos ou veículos mapeados sejam identificados como emergência envolvendo baterias.
Definir que recursos internos e externos serão necessários
Primeiro, você deve identificar quais recursos serão necessários, verificando se eles estão sob sua gestão. Para os que não estiverem, você precisar identificar quais recursos estão disponíveis e o esforço necessário para disponibilizá-los. Por fim, você deverá escrever como cada recurso humano, material ou tecnológico será mobilizado, recebido, organizado (e catalogado), empregado e desmobilizado (ou devolvido). Os principais recursos são água e pessoas, levando em consideração o tempo e esforço de combate, quando o incêndio envolve baterias de lítio. Principalmente, se a reserva de incêndio tiver menor que 150 mil litros de água.
Definir as ações de controle da emergência
A resposta é efetuada por uma estrutura de dinâmica de comando, que inicia de forma singular (quando o primeiro socorrista chega ao local), cresce na medida que pessoas chaves são acionadas e se dissolve na medida que a emergência é controlada. É neste momento que você define quem será acionado, qual papel ele irá executar e como será notificado. Isto inclui o acionamento dos recursos internos e externos. Responsáveis pelos serviços de manutenção (fornecimento de água, suporte elétrico e informações sobre a bateria), meio ambiente (impactos ambientais do combate e informações sobre a bateria), médico e suprimento (aquisição de água para combate) devem ser envolvidos.
Elaboração o protocolo operacional de emergência
Com todas as informações em mãos, o protocolo precisa ser escrito em um documento que contenha não mais que duas páginas (três se anexar um mapa indicando os equipamentos e veículos). Além das ações primária, de notificação e mobilização e de controle, um flow chart é recomendado para orientar a tomada de decisão. Depois de escrito, o protocolo deve ser divulgado e exercitado. É recomendado fazer um treinamento teórico, exercício de mesa e exercício prático com todos os envolvidos.
Desafios e otimismo
Duas décadas de avanços fizeram com que as bateria de lítio se tornassem mais confiáveis e a chance de um dispositivo se incendiar é pequena. “Algo entre 1 em 10 milhões”, diz Ken Boyce, especialista da UL (Underwriters Laboratories). Mas, ainda assim, a natureza fundamental das baterias de lítio representa riscos.
Quando se trata da segurança no armazenamento de energia com batarias de lítio, contamos com notícias promissoras no horizonte. Um fluxo constante de desafios emergentes mantém especialistas, bombeiros e fabricantes estão investindo em pesquisas e testes para entender o que acontece durante a fuga térmica, como pará-la ou preveni-la
Mas alerto! Administradores, síndicos, gestores, técnicos, engenheiros, enfim, todos que direta, ou indiretamente, lidam com baterias de lítio devem se preocupar com o tema. Até mesmo um usuário, que acabou de comprar um veículo elétrico, por exemplo.
Firmemente, está o fato de que ainda não há uma estratégia de supressão comprovada para controlar a fuga térmica em uma célula de bateria. Todas as medidas tentadas, até agora, têm limitações e apenas “abordam os sintomas e não as causas do problema”. Sistemas de água trabalham efetivamente para resfriar a bateria e, mesmo que apaguem as chamas, a propagação da fuga térmica continua ativa – quando o fluxo de água é cortado, o calor aumenta rapidamente e o processo é retomado.
Considerando que a fuga térmica pode durar dias, municípios, corporações e organizações não possuem um abastecimento de água para lidar adequadamente com tal situação. Equipamentos e sistemas de supressão por gás, pó químico ou agentes limpos são agora reconhecidos por não fazer praticamente nada contra incêndio envolvendo baterias de lítio.
Espera-se que os sistemas de supressão por agentes encapsuladores possam fornecer uma resposta eficaz para manter resfriada a bateria, quebrar o processo de fuga térmica e limitar a geração dos gases inflamáveis. Embora pareça promissor e disponível no mercado nacional, o F-500 precisa ser melhor acreditado e aprovado pelos bombeiros militares e normas técnicas.
Antes, era comum dizer que precisávamos “combater o fogo com água”. Agora, nesta era tecnológica, é necessário “combater a tecnologia com tecnologia”. Algumas pesquisas estão dando frutos, tais como novas tecnologias de detecção de gás com monitoramento remoto, emprego de baterias menores e alojadas separadamente em compartimentos corta fogo e sistemas de ventilação adequada para gases inflamáveis gerados pelo processo de fuga térmica.
Enquanto a segurança caminha a passos largos para alcançar a tecnologia, no momento, estabelecer um protocolo operacional para responder emergências em veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia é a melhor arma que todos nós temos. No mínimo, teremos pessoal preparado para agir diante de um tipo de incêndio que se comporta diferentemente do que já vimos.
O sucesso do protocolo dependerá do conhecimento do tipo e design de instalação da bateria, adequação de um suprimento de água compatível com o sistema, previsão de ferramentas ou dispositivos para desconectar a rede elétrica (caso o veículo esteja carregando), capacitação e exercitação da brigada e bombeiros civis e compartilhamento do plano com os bombeiros militares.
A Mvalle GSE pode te ajudar a realizar uma avaliação preliminar dos riscos envolvendo baterias lítio, visando a elaboração, implantação e exercitação do protocolo operacional de atendimento a emergência. A empresa é especialista em gerenciamento de riscos e emergências e emprega métodos acreditados pela ABNT NBR IEC 31010:2021 – Gestão de Riscos – Técnicas para o Processo de Avaliação de Riscos e NBR ISO 22320:2020 – Segurança e Resiliência – Gestão de Emergências – Diretrizes.
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